(poema-homenagem ao Rio de Janeiro)
Amo
E amo exagerado
Do alto de um corcovado
Desse pão açucarado
Esse convite aberto
Às suas maravilhas
Esse encanto certo
Por todas as suas trilhas
Que revelam tua silhueta
Em raio ultravioleta
Tão gostosa e esbelta
Num vôo da asa delta
Que pousa e decreta
A inspiração de um poeta
Amo
E amo loucamente
Tua face mais simples
Essa cara tão sorridente
Revelada em tua gente
Que escancara satisfação
Nesse bom humor eterno
Passa Inverno
Segue verão
Filhos de especial mistura
Nesse bronzeado que não se pensara
Misto dessa derme escura
Mescla pela pele clara
Mitos de beleza pura
Entes de beleza rara
Amo
Com o coração em festa
Essa tua proposta
De se fazer salgada encosta
De se brotar floresta
Ninada no colo do mar
De se assumir montanha
Altiva e manifesta
Que se assanha nos lábios da praia
Que comanda as marés
Como a Deusa Maia
Com Poiseidon a seus pés
Amo
Com esse amor-simpatia
Sua cronologia de Gaia
Do paraíso indígena
Da tanga à minissaia
Nesse urbano paraíso
Nesse sacro santo piso
De capital da beleza
Do reino tupiniquim
Entre cimento e natureza
Do solo botânico, o jardim
Os boulevares floridos
O Theatro, a Biblioteca
As santas das Candelárias
As praças com seu fascínio
E a arquitetura tão vária
De ocas e condomínios
Amo
E como não amar?
Teus cheiros de olor infinito
Os teus perfumes benditos
De grama cortada no Aterro
Da vista de suas Chinas
De silvestre na Boavista
De fogos do reveillon
Aquele torpor de narinas
De frango de padaria
Das feijoadas nas quadras
E arrebóis com sua maresia
Amo
Impossível de não amar
Tuas vozes chiadas
Nas suas canções encantadas
Da Viola e Cavaquinho
Cartolas em todos os Tons
Todos os soluços de um chorinho
Todos os outrossins
Dos Pizindins
Todos os Bens
De um Pagodinho
Dos Liras, das Laras
Dos Kétis, das Naras
Das raízes de Mangueiras
De Nogueiras
De Carvalhos
Das Rosas
Das Vilas
E do alto das favelas
E do asfalto
E nessa ciranda,
Quiçá que seja de Holanda
Amo sem preconceitos
Tua famosa acolhida
Tua forma de dar boas-vindas
A gente de outro lugar
Esse braço estendido
Essa conversa macia
Essa sua democracia
Saudada em seu pavilhão
Um Cristóvão sadio e são
Com sotaques variados
Quadros de outras tintas
Colorindo muito mais
Que se espalham nas quintas
Nos passeios imperiais
Amo ver a rede estufando
O Mário Filho vibrando
Com o João Havelange
Nesses templos da bola
Em que ninguém se constrange
A vibração nunca falta
Na estrela de malta
Na cruz solitária
E na festa solidária
De um urubu tricolor
Comemorando desde ontem
Até pra lá de amanhã
Pois cada torcedor
É seu próprio Maracanã
Amo
Num amor abençoado
A salada de fé
A oração poderosa
De um pastor candomblé
A vela que acende um pedido
Pedido que seca a lágrima
Lágrima que verte a água
A água que faz a hóstia
Que serve de simpatia
Que toma a sorte por guia
E lança mais uma jura
E o milagre assegura
Já que perdão é de graça
E todo pecado tem cura
Amo embevecido
Esses lugares
De alegria tão menina
Chamados de bares de esquina
Da turma que chega com sede
E pede amizade gelada
Ao garçom do Humaitá
Dá um gole em Realengo
E sai por aí e por lá
Que bebe em Laranjeiras
E brinda a todos os fins
Na mesa de Cascadura
Que pede a conta no Lins
E lá na Penha pendura
Amo com singeleza
Os domingos na laje
Que nascem nas sextas-feiras
Molhados pelas mangueiras
Com sombras de zinco e telha
Vizinhos sentados no chão
E carne assando na grelha
Com sal grosso, paz e carvão
Amo
Com a ginga de muitos amores
O sapato duas cores
Do sambista de velha guarda
Que cobre sua pele parda
Na elegância inegável
De um tecido impecável
Na simples postura taful
Que passa cera na palha
Que firma o seu nobre chapéu
E ri pro céu azul
Nem sempre azul, mas sempre céu
Amo
E amo bem informado
Os jornais pendurados
A emprestar suas manchetes
Aos olhos dos advogados
Dos ciclistas, senhoras, porteiros
Contínuos e engenheiros
Das estudantes
Dos camelôs
Das titias e dos vovôs
De todo povo passante
Que se informa nesse durante
Amo teus carnavais africanos
De Egitos, greco-romanos
Que te fazem Maravilhosa
No branco-azul-verde-rosa
Amo a cuíca sorrindo
Para o rodopio infindo
Para o sonho sem fim
Da porta-bandeira mirim
Amo o trabalho presente
No corre-corre silente
Sem lugar nem hora
Dos garis noite afora
Amo a sombra diagonal
Que os postes produzem à toa
E nos dias de sol visceral
Abrigam qualquer pessoa
Amo a piada de si mesmo
Moldada pelo improviso
Surgida do fato a esmo
Pelo bem de um novo sorriso
Amo o dorso da Garça
Refletido no sereno rasante
Que a baía não disfarça
E revela exuberante
Amo sem nenhuma censura
Esse amor que nunca para
Amo a ti, criatura
Que em mim cria tara
Amo a ti, Cidade Maravilhosa
Cidade monumento
Amo cada movimento
Dessa vida em polvorosa
Amo e amo deveras
Tuas belezas sinceras
Tua alegria indiscreta
Amo-te toda prosa
Nos versos desse poeta
Amo-te como quem não quer nada
Só pra te saber amada
Amo-te chique, amo-te rota
Amo-te em paz, amo-te em luz
Amo-te garota
Que sai de Santa Cruz
E balança em Ipanema
Amo-te até um dia
Eternizar-te em poema
Sérgio Gramático Júnior